A psicanálise como ciência foi fundada por Sigmund Freud na passagem do século XIX para o século XX. Freud nasceu no ano de 1856 e se formou médico em 1881, em Viena. Em 1882 o neurologista J. Breuer relatou a Freud que utilizava a hipnose com uma jovem paciente histérica (que ficou conhecida como Anna O.), o que despertou o interesse de Freud: essa paciente recordava de ocorrências traumáticas sob hipnose, o que provocava alívio em seus sintomas.
Nessa época a histeria era tratada como se fosse uma simulação da paciente, uma necessidade de chamar a atenção, que era indigna de cuidados médicos e tratada como atitude ridicularizável.
O nome histeria, que significa útero, diz respeito às ideias de que essa doença se relacionava ao aparelho sexual feminino.
Chegou-se a acreditar que histeria era sintoma de quando o útero se movia dentro do corpo da mulher. Na idade média surgia em epidemias e eram vistas como possessão ou feitiçaria. Muitas mulheres consideradas histéricas foram exorcizadas ou atiradas às fogueiras ao longo dos séculos. Na época de Freud eram tratadas com escárnio, o que só mudou a partir dos estudos de Charcot, na França, que despertou os interesses do jovem médico que, mais adiante, pelos seus estudos, tiraria definitivamente a histeria do campo médico.
Hipnose?
A Freud foi concedida uma bolsa de estudos para conhecer o trabalho de Dr. Charcot, entre 1885 e 1886, na famosa Salpetrière, em Paris, que era uma referência no campo da hipnose empregada para fins de cura da histeria. Neste período Freud descobre que homens também têm histeria e que há uma dissociação da mente que pode ser observada durante a hipnose. Essas informações podem ser observadas no “Relatório sobre meus estudos em Paris e Berlim” de Freud, datado de 1886.
De volta a Viena, Freud e Breuer aplicam o método hipnótico em pacientes histéricas, compreendem que histeria é uma neurose, e publicam em conjunto suas observações em 1893 ‘Comunicação preliminar', e, em 1895 publicam o famoso livro 'Estudos sobre a histeria’. Nesse momento há a concepção do método catártico, ou a cura pela fala, e o princípio de que a neurose provinha de traumas sexuais que foram vividos na infância.
Breuer discorda das ideias de sexualidade na criança trazidas por Freud e eles acabam se afastando.
Freud continua seus estudos sozinho e enfrenta muitas críticas de seus colegas médicos e da sociedade vienense.
Aos poucos abandona a hipnose e passa a usar a ‘livre associação de ideias’ com paciente no divã. A fala da paciente permitia, então, que ela ressignificasse o afeto que estava vinculado ao trauma. Por um curto período de tempo, Freud acreditou que pressionar a fronte do paciente ia ajudar nessas lembranças, mas depois de uma delas o ter repreendido, a técnica foi deixada para trás.
Foi a partir de suas observações e estudos que concebeu a existência do Inconsciente e, com isso, as teorias do trauma, topográfica e estrutural, resistência e transferência, conceituações sobre narcisismo e dissociação do ego.
A Psicanálise nasce como uma ciência: é método investigativo, psicoterápico e um conjunto de teorias.
Dito pelo próprio Freud, em 1922: “Chamamos de psicanálise ao trabalho pelo qual levamos à consciência do doente o psíquico recalcado nele”.
Freud descreve que a criação conceitual do Inconsciente é a terceira ferida narcísica que corta a humanidade, pois ele demonstrou que a razão consciente é mera superfície do Inconsciente, o que revolucionou o entendimento sobre a psique humana. As duas primeiras feridas narcísicas vieram pelo conhecimento de Copérnico, nosso planeta não é o centro do universo, e por Darwin: o homem compartilha antepassados comuns com outras espécies animais do planeta.
Mas, pergunto: depois de mais de cem anos da descoberta do Inconsciente, que, como dito por Freud: não somos senhores em nossa própria casa, como aprendemos, lidamos, educamos, dialogamos e introjetamos esse conhecimento, essa compreensão em nosso cotidiano? Conseguimos criar, a partir desse saber, soluções para questões complexas vividas coletivamente e atualmente?
Fundamos a percepção do assujeitamento em nossas vivências enquanto sociedade?
Poderia a ciência Psicanálise contribuir na criação de novas formas de organização social? É possível que esse saber científico fecunde o senso comum? É desejado que isso aconteça?
Se a consciência esconde desejos, fantasias e afetos, se a resistência tem falhas e nas brechas é que nos movemos, se a transferência é uma prática do humano comum, a pergunta é: além da clínica, esse saber científico do aporte teórico é potente de produzir novas linhas de pesquisa e promover novas formas de atuação nos corpos sociais?
E, ao mesmo tempo, é possível existir uma disciplina que acolha a criança/adolescente na aprendizagem e reflexão sobre o próprio inconsciente? Afinal, o descentramento do sujeito pelo Incosnciente é nosso ‘modus operandi’.
Somos nosso desconhecimento e somos incompletos e, desde o momento em que essa ideia revolucionária tocou meu corpo a falta pôde ser acolhida e a angústia diminuiu: quisera ter sabido na infância essa preciosidade.
É saber e é recurso de cura, autoriza o mar profundo em mim no ego que se adequa ao superego: dá ares de “isso pode”.
Somos incompletos, nos significamos pela falta e em relação a: a falibilidade humana como princípio nos dá chão para olharmos as questões complexas socioambientais/econômicas da atualidade? Como o saber da psicanálise e a consciência da ferida que Freud abriu pode contribuir? Como esse saber cientifico pode ser incorporado no senso comum além da frase “Freud explica”?
Não tenho intenção (com meu ego-consciente) de responder esses questionamentos, apenas abrir espaço ao perguntar, perguntas que funcionam como o motor do saber que movimenta e, que aviso: podem incomodar, desacomodar e rearranjar.
E você, qual sua percepção? Já refletiu sobre ferida narcísica?
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